Dolores era dona de uma voz e uma capacidade de transmitir
os sentimentos como poucos artistas que conheci. Pouca gente é capaz de
transportar o receptor para os seus lugares de origem fazendo-lhe sentir as
características daquele local. Os The Cranberries, sem dúvidas, era uma dessas
bandas capazes de fazer sentir um tipo de sentimento universal, ainda que
apreendidos por pessoas distintas.
A sua doçura, o seu jeito meio desengonçado de dançar, os
seus traços faciais, as suas expressões etc., fizeram dela uma das figuras mais
icônicas para uma geração inteira.
A cultura pop tem dessas coisas. Ela é capaz de falar pelo
todo, de expressar o sentimento geral que aquele evento ou celebridade
construiu.
Esse, talvez, seja um dos grandes encantos da vida, quando
encontramos pessoas que também foram tocadas por um sentimento comum à época.
O meu contato com essa voz marcante foi, provavelmente,
igual ao de milhares de outras pessoas mundo à fora. Suas músicas e,
especialmente, o tom adocicado da sua voz, parecia grudar nos meus sensores
de modo difícil descolar-se dela. A vontade de ouvir mais e mais se tornou
muito presente ao longo dos anos, de modo que as suas canções fizessem parte
dos diferentes momentos da vida.
Ainda no ano passado, no período de conclusão da faculdade,
as músicas do The Cranberries eram a principal parceria. Lembro-me que no
corre-corre de deixar tudo pronto, o que tocava nos fones de ouvido era essa
maravilhosa banda irlandesa.
(*)
Por falar em Irlanda e a capacidade que alguns artista tem
de te transportar para alguns lugares, sinto uma conexão com esta pequena ilha.
Tudo graças aquela, também pequena, garota e sua banda. Sensação parecida
quando li Jhon Reed em “Os dez dias que abalaram o mundo.” Ou Trotsky em “Como
fizemos a revolução de outubro”, onde o frio congelante russo transpõe o papel
e atinge a pele do leitor. Ou ainda, os contos de Máximo Gorki e toda aquela
cena de pobreza e solidariedade dos subúrbios de São Petersburgo.
Aliás, o povo irlandês é pra lá de especial. A história dos
conflitos políticos\religiosos, bem como seu incremento lutas anti-imperialistas,
demonstra ao mundo uma forma de se relacionar com a política bastante peculiar.
É um dos lugares onde a política se expressa fortemente no futebol através do
clássico Celtic (católico e de esquerda), contra o Ragers (protestante e ligado
aos segmentos mais conservadores e aos ingleses). Sem falar no Exército Republicano Irlandês
(IRA), uma experiência de guerrilha urbana que se encerrou muito recentemente em 2005.
“Zombie”, um dos hits mais famosos da banda, trás a reflexão
de parte desses conflitos entre os católicos e os protestantes na Irlanda. Em
uma entrevista, tempos atrás, Dolores revelou que recebeu esse nome devido a
profunda fé da sua mãe, que era católica. Ainda Que não fosse praticante,
Dolores dizia que a sua fé era a sua maior influência musical. Certamente uma
história tão bonita e delicada quanto a sua personagem.
Dolores mudou a forma
de gostar das bandas de rock. Na minha opinião, existe uma história de rock
antes e depois dela. As bandas com vocal feminino necessariamente, de modo geral, foram
influenciadas por ela, ainda que ela não tenha sido a primeira.
Apenas tive contato com os seus sérios problemas de saúde
depois da sua morte. Tenho lido coisas muito duras, dentre elas a depressão,
que talvez ajude a explicar parte dos problemas sobre a sua situação. É claro
que isso não muda a forma como eu sempre a enxerguei - uma garota talentosa,
lindíssima e peculiar.
A sua voz permanecerá no imaginário de milhões de pessoas
mundo à fora. Que a sua família encontre conforto. E que descanse em paz.
https://www.youtube.com/watch?v=Tod5Zb36Q3E
https://www.youtube.com/watch?v=Tod5Zb36Q3E
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