domingo, 21 de janeiro de 2018

Um pedaço da adolescência se foi

Dolores era dona de uma voz e uma capacidade de transmitir os sentimentos como poucos artistas que conheci. Pouca gente é capaz de transportar o receptor para os seus lugares de origem fazendo-lhe sentir as características daquele local. Os The Cranberries, sem dúvidas, era uma dessas bandas capazes de fazer sentir um tipo de sentimento universal, ainda que apreendidos por pessoas distintas.
A sua doçura, o seu jeito meio desengonçado de dançar, os seus traços faciais, as suas expressões etc., fizeram dela uma das figuras mais icônicas para uma geração inteira.

A cultura pop tem dessas coisas. Ela é capaz de falar pelo todo, de expressar o sentimento geral que aquele evento ou celebridade construiu.

Esse, talvez, seja um dos grandes encantos da vida, quando encontramos pessoas que também foram tocadas por um sentimento comum à época.

O meu contato com essa voz marcante foi, provavelmente, igual ao de milhares de outras pessoas mundo à fora. Suas músicas e, especialmente, o tom adocicado da sua voz, parecia grudar nos meus sensores de modo difícil descolar-se dela. A vontade de ouvir mais e mais se tornou muito presente ao longo dos anos, de modo que as suas canções fizessem parte dos diferentes momentos da vida.


Ainda no ano passado, no período de conclusão da faculdade, as músicas do The Cranberries eram a principal parceria. Lembro-me que no corre-corre de deixar tudo pronto, o que tocava nos fones de ouvido era essa maravilhosa banda irlandesa.

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Por falar em Irlanda e a capacidade que alguns artista tem de te transportar para alguns lugares, sinto uma conexão com esta pequena ilha. Tudo graças aquela, também pequena, garota e sua banda. Sensação parecida quando li Jhon Reed em “Os dez dias que abalaram o mundo.” Ou Trotsky em “Como fizemos a revolução de outubro”, onde o frio congelante russo transpõe o papel e atinge a pele do leitor. Ou ainda, os contos de Máximo Gorki e toda aquela cena de pobreza e solidariedade dos subúrbios de São Petersburgo.

Aliás, o povo irlandês é pra lá de especial. A história dos conflitos políticos\religiosos, bem como seu incremento lutas anti-imperialistas, demonstra ao mundo uma forma de se relacionar com a política bastante peculiar. É um dos lugares onde a política se expressa fortemente no futebol através do clássico Celtic (católico e de esquerda), contra o Ragers (protestante e ligado aos segmentos mais conservadores e aos ingleses). Sem falar no Exército Republicano Irlandês (IRA), uma experiência de guerrilha urbana que se encerrou muito recentemente em 2005.

“Zombie”, um dos hits mais famosos da banda, trás a reflexão de parte desses conflitos entre os católicos e os protestantes na Irlanda. Em uma entrevista, tempos atrás, Dolores revelou que recebeu esse nome devido a profunda fé da sua mãe, que era católica. Ainda Que não fosse praticante, Dolores dizia que a sua fé era a sua maior influência musical. Certamente uma história tão bonita e delicada quanto a sua personagem.

Dolores mudou a forma de gostar das bandas de rock. Na minha opinião, existe uma história de rock antes e depois dela. As bandas com vocal feminino necessariamente, de modo geral, foram influenciadas por ela, ainda que ela não tenha sido a primeira.

Apenas tive contato com os seus sérios problemas de saúde depois da sua morte. Tenho lido coisas muito duras, dentre elas a depressão, que talvez ajude a explicar parte dos problemas sobre a sua situação. É claro que isso não muda a forma como eu sempre a enxerguei - uma garota talentosa, lindíssima e peculiar.

A sua voz permanecerá no imaginário de milhões de pessoas mundo à fora. Que a sua família encontre conforto. E que descanse em paz.

https://www.youtube.com/watch?v=Tod5Zb36Q3E 

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