domingo, 24 de dezembro de 2017

Não é apenas futebol

Durante algum tempo virou lugar comum desqualificar o futebol como se fosse apenas 22 homens correndo atrás de uma bola. O preconceito diante do esporte está diretamente associado a paixão que ele é capaz de despertar nas massas proletárias nos mais impensáveis espaços desta redoma chamada planeta terra.

Muita coisa mudou. Mesmo os setores dominantes e conservadores passaram a disputar o futebol (sua representação) como um mecanismo que está além das quatro linhas, seja nos gramados sintéticos, seja na várzea. A prova disso são as modernas arenas que enxotaram aqueles que nunca tiveram tanta grana pra pagar 30, 50,100... reais em um ingresso. Os novos estádios, visivelmente, são sinônimos da gentrificação que claramente as grandes empreiteiras e os seus dirigentes políticos optaram por dispor.

Mas o futebol pulsa e mesmo contra todos os prognósticos e todas as circunstâncias, parece responder contra a sua tentativa de domesticação gourmet. As arenas, que no primeiro momento eram símbolos de modernidade e futuro, são obrigadas a se adequar a públicos com menor poder aquisitivo. E o melhor, obrigados a aceitar as diferentes formas de torcer.




A primeira vez que estive em um estádio de futebol foi lá em 92 no antigo estádio da Fonte Nova em Salvador (antes de virar arena, a qual desde então, nunca coloquei os pés). Claro, meu pai me levou ao estádio para assistir, assim como me ensinou a torcer pelo Vitória. O jogo era uma das últimas fases do brasileirão da série B e o rubro-negro enfrentava o Criciúma na luta para retornar a série A. O vitória venceu e se classificou para a final contra o Paraná, além de ter consigo vaga na elite do ano seguinte. Uma das coisas que não esqueço desse dia foi um torcedor do Bahia (sim, pasmem, havia um sardinha lá) passando por nós na arquibancada bastante chateado e resmungando: “o Bahia vem aí”. Hoje, relembro a cena e fico imaginando que o rapaz deve ter ficado bastante desapontado com o seu rival conseguindo a classificação.

Fui agraciado neste sentido. Ir no estádio quando moleque sempre foi algo bastante presente na minha infância. Conheci os dois principais estádios da Bahia (Barradão e Fonte Nova) em uma época onde o meu time venceu mais do que o rival. A época, a violência era bastante limitada e mal se ouvia falar desses atos que geralmente eram isolados.

Em 93, tive a oportunidade de ver a maravilhosa campanha do vitória naquele campeonato brasileiro. Estive nas fases finais (dois grupos com 4 times) e vi o vitória desbancar os chamados times grandes do sudeste. Aliás, foi nesse ano que vi o gol mais bonito da história da Fonte Nova, na minha opinião, é claro. Alex Alves (saudoso, morreu jovem vítima de leucemia), carregou a bola do campo de defesa até o gol do goleiro do Corinthians fazendo o estádio quase vir abaixo. Foi incrível. No jogo de volta, em SP, ele iniciou jogada de maneira idêntica, mas o volante do Corinthians cometeu a falta.

Aos poucos o Vitória foi deixando de atuar na Fonte Nova e voltava a jogar no Barradão que havia ficado interditado no ano anterior por conta de uma pedrada de um torcedor em um bandeirinha. O estádio, que a época localizava-se perto do aterro sanitário, era incrivelmente bonito e bem cuidado. Um patrimônio que desde moleque aprendi que também era meu e que tínhamos de zelar. Hoje, já sem o aterro por aquelas bandas, é um dos estádios mais modernos do país, sem contar as arenas, além de ser um estádio próprio e sem as frescurites do futebol moderno. Se um dia você estiver em Salvador, vale a pena conferir.

Aprender a ir ao estádio ajudou a fortalecer um laço com o meu pai que outras coisas não seriam capazes de proporcionar. É por isso que, talvez, me incomode tanto quando alguém diz que futebol é apenas futebol. Não, não é. Futebol são memórias afetivas, laços emocionais, lembranças individuais e coletivas, é se sentir representado e parte de algo, como diz o antropólogo Roberto da Mata. Em resumo, futebol é um fenômeno sociológico.

A gente pode ter ideia, mas jamais certeza absoluta do que faremos no futuro. Mas se as coisas fugirem completamente do controle, quero ser como Gabriel Garcia Marquez e passar os fins dos meus dias falando sobre o maravilhoso esporte bretão.

E isso é tudo.

p.s: Mais que votos protocolares, desejo um feliz natal à todos. Depois de tantos anos longe da família nesses momentos festivos, é bom estar de volta.

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