Durante algum tempo virou lugar comum desqualificar o
futebol como se fosse apenas 22 homens correndo atrás de uma bola. O
preconceito diante do esporte está diretamente associado a paixão que ele é
capaz de despertar nas massas proletárias nos mais impensáveis espaços desta
redoma chamada planeta terra.
Muita coisa mudou. Mesmo os setores dominantes e
conservadores passaram a disputar o futebol (sua representação) como um
mecanismo que está além das quatro linhas, seja nos gramados sintéticos, seja na
várzea. A prova disso são as modernas arenas que enxotaram aqueles que nunca
tiveram tanta grana pra pagar 30, 50,100... reais em um ingresso. Os novos
estádios, visivelmente, são sinônimos da gentrificação que claramente as
grandes empreiteiras e os seus dirigentes políticos optaram por dispor.
Mas o futebol pulsa e mesmo contra todos os prognósticos e
todas as circunstâncias, parece responder contra a sua tentativa de domesticação
gourmet. As arenas, que no primeiro momento eram símbolos de modernidade e
futuro, são obrigadas a se adequar a públicos com menor poder aquisitivo. E o
melhor, obrigados a aceitar as diferentes formas de torcer.
A primeira vez que estive em um estádio de futebol foi lá em 92
no antigo estádio da Fonte Nova em Salvador (antes de virar arena, a qual desde
então, nunca coloquei os pés). Claro, meu pai me levou ao estádio para assistir,
assim como me ensinou a torcer pelo Vitória. O jogo era uma das últimas fases
do brasileirão da série B e o rubro-negro enfrentava o Criciúma na luta para
retornar a série A. O vitória venceu e se classificou para a final contra o
Paraná, além de ter consigo vaga na elite do ano seguinte. Uma das coisas que
não esqueço desse dia foi um torcedor do Bahia (sim, pasmem, havia um sardinha lá) passando por nós
na arquibancada bastante chateado e resmungando: “o Bahia vem aí”. Hoje,
relembro a cena e fico imaginando que o rapaz deve ter ficado bastante
desapontado com o seu rival conseguindo a classificação.
Fui agraciado neste sentido. Ir no estádio quando moleque
sempre foi algo bastante presente na minha infância. Conheci os dois principais
estádios da Bahia (Barradão e Fonte Nova) em uma época onde o meu time venceu
mais do que o rival. A época, a violência era bastante limitada e mal se ouvia
falar desses atos que geralmente eram isolados.
Em 93, tive a oportunidade de ver a maravilhosa campanha do
vitória naquele campeonato brasileiro. Estive nas fases finais (dois grupos com
4 times) e vi o vitória desbancar os chamados times grandes do sudeste. Aliás,
foi nesse ano que vi o gol mais bonito da história da Fonte Nova, na minha
opinião, é claro. Alex Alves (saudoso, morreu jovem vítima de leucemia),
carregou a bola do campo de defesa até o gol do goleiro do Corinthians fazendo
o estádio quase vir abaixo. Foi incrível. No jogo de volta, em SP, ele iniciou
jogada de maneira idêntica, mas o volante do Corinthians cometeu a falta.
Aos poucos o Vitória foi deixando de atuar na Fonte Nova e
voltava a jogar no Barradão que havia ficado interditado no ano anterior por
conta de uma pedrada de um torcedor em um bandeirinha. O estádio, que a época
localizava-se perto do aterro sanitário, era incrivelmente bonito e bem
cuidado. Um patrimônio que desde moleque aprendi que também era meu e que tínhamos
de zelar. Hoje, já sem o aterro por aquelas bandas, é um dos estádios mais
modernos do país, sem contar as arenas, além de ser um estádio próprio e sem as
frescurites do futebol moderno. Se um dia você estiver em Salvador, vale a pena
conferir.
Aprender a ir ao estádio ajudou a fortalecer um laço com o
meu pai que outras coisas não seriam capazes de proporcionar. É por isso que,
talvez, me incomode tanto quando alguém diz que futebol é apenas futebol. Não,
não é. Futebol são memórias afetivas, laços emocionais, lembranças individuais
e coletivas, é se sentir representado e parte de algo, como diz o antropólogo
Roberto da Mata. Em resumo, futebol é um fenômeno sociológico.
A gente pode ter ideia, mas jamais certeza absoluta do que
faremos no futuro. Mas se as coisas fugirem completamente do controle, quero
ser como Gabriel Garcia Marquez e passar os fins dos meus dias falando sobre o maravilhoso esporte bretão.
E isso é tudo.
p.s: Mais que votos protocolares, desejo um feliz natal à todos.
Depois de tantos anos longe da família nesses momentos festivos, é bom estar de volta.
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