domingo, 14 de setembro de 2014

Que boca!

Eu devia ter entre 6 e 7 anos quando meu pai resolveu que sairia do emprego dele em uma fábrica, para trabalhar como taxista. Nosso padrão de vida, que era mediano, foi lá pr´o chão e os tempos difíceis chegaram.

No inicio da década de 90 as coisas eram muito incertas. Um presidente havia sido posto pra fora, o mundo
ainda sentia os odores da bipolaridade e os aparelhos eletrônicos eram coisas extremamente caras.

O primeiro táxi do meu pai era um gol daqueles bem antigos. O taxímetro não era digital, era daqueles de girar e o barulhinho lembrava o de dar corda numa caixinha de músicas.

Certo dia, meu pai chegou em casa com a frente do carro afundada. Havia caído em um dos muitos buracos de salvador. Eu já era um garoto com pleno entendimento do que se passava, mas, lembro-me, não fui muito afetado por aquilo. Pelo menos não psicologicamente. Tive pouco envolvimento.

Lembro-me apenas da minha mãe, uma mulher muito guerreira, ao jeito dela, dizer mais ou menos pra ele: “vamos superar isso”.


O carro ficou parado na frente de casa quase um ano.

Acho hoje, que houve uma mobilização familiar que ajudou meu pai a comprar um outro taxi.

Do gol velhinho, que nos levou durante muitos anos pra escola e nos alimentou, meu pai passou a ter um taxi chevet, usado, mas, bem mais novo.

Passeávamos nele. Volta e meia passávamos o final de semana na casa de um tio, ou da minha vó.
Nesses passeios, minha mãe perguntava pro meu pai se ele tinha colocado gasolina no carro. E ele sempre dizia pra não esquentar. Umas três ou quatro vezes, quase que consecutivamente, ficamos no meio do caminho.

Que boca!

E era aquela guerra.

Minha mãe falava horrores e colocava a culpa nele.

Por vezes, passamos apertos de ficarmos parados na BR a noite por conta disso.

É engraçado, sentia a mesma raiva.

Coisa simples, parar num posto e colocar gasolina pra máquina funcionar.

É, talvez, olhando de fora.

Vai entender os motivos reais da teimosia do velho.

Depois de um tempo ele vendeu o taxi e passou a trabalhar no caminhão.

Aliás, diziam que era o destino da nossa família. Os homens eram motoristas e as mulheres eram quase todas professoras.

Apesar disso, dirigir um carro com alguma competência foi algo que veio bem tarde pra mim.

Acho que fugi a regra dos homens da família.

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