domingo, 7 de setembro de 2014

Nossa sociedade

"Já acabou a guerra? Perdoem mas como havia cumprido com meus afazeres e a Air France estava dando descontos para não veados, aproveitei para passar a última semana em Gstaad onde fui comer uma tataraneta de Anastasia."

Por  - Nataniel Jebão*
Nataniel Jebão

Feia mas dá para o trivial ainda invernal.

Os jornais, como sempre, tentaram montar uma pulga sobre um frágil elefante. Morre mais gente no Brasil em Paz do que no Mundo em Guerra! Isso quer dizer que devemos acabar com a paz? 

Precisamos é nos revoltar, isso sim, como fez a brava jornalista Ana Cristina Reis, editora do Caderno Ela de O Globo cuja primeira página promove o Chanel Grunge e prova cientificamente que há, sim, senhores e senhoras, estética na transgressão. 

Como ela, pobrezinha, mesmo confessa, é uma sem chofér e por isso é obrigada a ver um...ser humano, vá lá, sujar o para brisas do seu carro com água e sabão e ainda pedir dinheiro.
Felizmente, Sir Anthony Hopkins, trata desses assuntos para mim e carrega sempre uma granada de mão. 

Diz Cristina que não agüenta mais ouvir falar dos “trabalhadores” do MST que querem, que exigem.

E pergunta com toda justiça: “E eu? Sou o quê? Uma desocupada?” 

Claro que não. 

É uma corajosa jornalista que estudou e chegou ao posto de editora do caderno Ela. 

Quero ver algum flanelinha, algum MST chegar à essa posição sem usar um mínimo de violência. 

E o pior, como diz Cristina, ela não pode nem fugir do Brasil para ver sua irmã nos Estados Unidos, pois vive em Cuba (se entendi bem, uma ironia) e não pode sair do país, pois a PF está em greve e ela não consegue renovar o passaporte.

Fiquei sinceramente comovido com a sinceridade desta operária de Gutenberg quando confessou: “O que me impede de invadir a piscina do vizinho, uma vez que sou uma sem piscina? O que me impede de subtrair aquela sandália italiana de strass lindíssima que minha amiga só usa uma vez por mês, uma vez que sou uma sem sandália de strass?” 

Acredite Cristina, este velho cronista social entende o teu ódio mas como você mesmo diz, ele logo se transformará em elegante repulsa. Que culpa tem você de ser uma com-propriedade, com-avó, com-emprego, com- automóvel? 

Mas poderia ser pior. 

Você poderia estar na minha pele e ser uma com-latifundio, com-contas-na-Suíça, com-mansão, com-piscina, com-jatinho, com-Rolls, com poder, com-Beluga e com-Romanée Conti.

Aí sim, você veria o que é penar.

Sei que sofres mas, por favor, não faça como aquele rapaz de cor parda desempregado que incendiou-se em frente ao Palácio do Planalto num gesto de profundo mau gosto. Agüenta firme como o fizeram os militares, Sarney, Collor, FHC e o rei Çilva I.

Estamos todos condenados a viver em Cuba e numa Cuba pior do que a original pois estamos cercados de flanelinhas, prostitutas, desempregados, mendigos, aleijados de todos os matizes, gente que não quis estudar, que não ouviu os conselhos da vovó, que não poupou dinheiro para o inverno, que não leu bons livros, que não entende de moda!

Que culpa temos nós? 

Mas essa gentalha mal educada e mal vestida não perde por esperar, pois um dia nosso ódio será mais forte e nós, os ricos, belos e bem nascidos, partiremos para a revanche final.

Não sobrará brioche sobre brioche. 

Por outro lado, como você bem disse, talvez seja melhor ir almoçar com amigos para desanuviar se as ruas não estiverem fechadas.

- Senhorita Nina Rollas!

- Pois não, patrão adorado.

- Telefone para o Gianfranco Mangiacavallo em Florença e peça-lhe para enviar uma dúzia de rosas grunge da Toscana para Ana Cristina Reis.

- E por que ela vai receber tal honra?

- Porque é uma das poucas jornalistas brasileiras a entender o espírito do Coiso.

Nataniel Jebão

*Personagem de Fausto Wolff, jornalista falecido em 2008.

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