domingo, 29 de junho de 2014

Entre bolas, botões e estrelas

Futebol é a minha paixão desde que eu me entendo por gente. Minha irmã, tina, conta que o primeiro brinquedo que os meus pais me deram foi uma bola. Desde cedo aprendi a chutar a pelota pelos corredores de casa.

Meu nome, dizem, foi escolhido ali, no auge de um baixinho de um país vizinho que encantava o mundo com aquela perna canhota mágica. Além, é claro, do grande zorro. Dizem que o meu pai era fã do zorro e por um triz não me chamo “dom” Diego. Isso mesmo, “dom”. imagino na chamada das aulas o professor passando a lista e chamando – “dom Diego?”, eu – “presente”.

Seria legal.

Pouco tempo depois, descobri outra coisa que mudaria a minha vida e a minha forma de brincar. Um amigo de infância havia ganhado uns brinquedos esquisitos, arredondados e pretos. Ostentavam escudos de times de futebol que eu já conhecia.

Eram times de futebol de botão. Não eram botões profissionais, mas aqueles pequenos objetos fizeram a minha cabeça durante toda a minha infância.


Pouco tempo depois, minha mãe fez uma viagem a são Paulo. Não lembro bem pra quê, lembro-me, apenas, de irmos a rodoviária deixá-la e os meus olhos encheram de lágrimas. Meu pai consolava-me dizendo que era uma viagem curta e rápida. Logo-logo ela estaria de volta.

Passamos dias sem a nossa matriarca em casa. Até hoje, minhas duas irmãs mais velhas recordam dos dias penosos em que comíamos ovos fritos nas refeições.

Meu pai, assim como eu, nunca soube cozinhar...

Era uma manhã meio chuvosa quando ela chegou de são Paulo.  Trazia nas mãos um quadro enorme embalado e disse: “trouxe pra você”. Sem dúvidas um dos presentes mais incríveis que já ganhei. Era um campo de futebol de botão e com ele dois times; Bahia e vitória.

Penso; como naquela época, 1991\2, vendiam times de futebol de botão da Bahia em são Paulo? A terra da garoa é mesmo um lugar onde se encontra de tudo.

Meu terceiro time foi o glorioso tricolor paulista. Esse ganhei de aniversário da minha irmã quando cheguei da escola. Ela não lanchou no recreio pra comprar o time pra mim.

Daí então, não lembro mais as ordens que fui ganhando os times. Cheguei a ter mais de vinte. E aprimorei como poucos na arte.

Era um aficionado no jogo. Jogava o tempo inteiro. E quando não tinha parceria, jogava só. Aliás, os campeonatos solitários eram os melhores.  Tinha até narração.

Jogos costumam passar como filmes na minha cabeça. Às vezes resolvo lances e formas de aprimoramento pensando, rodando um filme na mente. É o tal do lance, 600 anos de estudo x 6 segundos de atenção. A coisa é tão séria que costumo, até hoje, olhar pras estrelas como se estivesse olhando para um campo de botão. Os pontos, ao longe, são bolas, balizas e jogadores prontos para uma cortante de paleta fora do alcance do goleiro.

Coloque-se! (esse era o verbo utilizado para preparar o goleiro para o chute)

Acontece o mesmo com xadrez, mas não olhando pras estrelas e sim para o chão. Sabe aqueles chãos quadriculados em preto e branco? Então, do nada me pego pensando em jogadas no meio da rua. Por vezes até ensaio movimentos. As pessoas que me olham distraído na rua devem estranhar.

Que doido.

Pois bem, os garotos da vizinhança também jogavam. Rolavam vários desafios. E também muita plateia nos jogos que aconteciam na rua. Os campos se multiplicavam. No inicio eram raros e eu tive a sorte de ser um dos primeiros a possuir um “estádio”.

Modéstia a parte, eu era um dos melhores. Me dei conta disso quando venci o primeiro jogo de uma das duas lendas do bairro, um garoto chamado Jeferson, bem mais velho que eu. Nem acreditei quando isso
aconteceu. Precisava contar pra todo mundo. Pro meu azar, foi um jogo na casa dele, sem público. Pouca gente acreditou.

O numero 1 do bairro tive mais trabalho em bater. Não lembro da primeira vitória, apenas que demorou um pouco mais.

Em 94, eu tinha 9 anos. Aconteceram dois grandes torneios. Mais de 30 moleques. Uns mais velhos, outros mais novos. O primeiro de clubes e o segundo de seleções.

Os torneios eram tão sérios que a gente tremia no inicio dos jogos. Puro nervosismo.

Apesar de já entrar nas duas competições como um dos favoritos, não fui muito bem no torneio de clubes. Até estreei bem, mas o número 1 havia caído na mesma chave que a minha. Ele me derrotou por 3 x 1. Mesmo classificado para a fase seguinte, aquela derrota parece ter me abalado. Perdi os dois jogos seguintes e fui eliminado.

Jogava com o santos. Tinha dois uniformes, o branco e o preto.

Fui chorando pra casa. Detestava perder jogos. Tive que trabalhar isso com o tempo, pois me acompanhou durante muitos anos da vida.

No ultimo jogo, só pra cumprir tabela, havia um dilema diante de mim. Se eu vencesse, classificaria um outro garoto com o qual não falava muito bem. Se eu perdesse, não faria diferença alguma.

Venci. Acho que por 2x0. Me despedi com honra e ajudei a classificar o desafeto.

Não acompanhei as finais do torneio. Não por nenhum motivo especial. Apenas não assisti mais aos jogos. Soube apenas que o número 1 havia sido derrotado em cobranças de penalidades na partida final por um azarão que eu havia vencido com tranquilidade nas partidas preparatórias do torneio.

Futebol, uma caixinha de surpresas mesmo que seja com botões de plástico.

O ápice veio logo depois. O torneio de seleções apenas coroou a mitologia (eu e minhas megalomanias) que já girava em torno do meu jogo. Já havia vencido torneios menores, mas aquele foi o maior. Mais de 30 competidores.

Não vou encher a paciência do\a caro\a leitor\a com os resultados. Sim, eu lembro dos times\adversários que enfrentei e dos placares dos jogos até hoje.

Mas, um jogo em especial gostaria de lembrar. Nas quartas de final enfrentei o tal número 1. Ele defendia a camisa canarinho da seleção brasileira. O melhor jogo da minha campanha. Jogo tenso, difícil.

Devolvi impiedosamente os 3x1 do torneio anterior e o mandei “de volta pra casa”. Afinal, tratava-se de uma copa do mundo e, em finais, quando se é derrotado, volta-se pra casa. Não é assim que a tevê nos ensinou?

A minha seleção era a Dinamarca. Aprendi a ter simpatia pela seleção dinamarquesa justamente por conta dessa paixão futebolística com botões.

Venci a final contra a seleção dos emirados árabes por 4x1. Uma partida tão improvável na vida real que só a magia da infância é capaz de nos proporcionar.

Tive o troféu até pouco tempo em casa. Não era esteticamente bonito, já que havia quebrado o prato que aquele objeto alado carregava em uma viagem de ônibus. Pelo menos foi o que o organizador, um cara muito legal, me falou.

Mas estava plenamente realizado.

Não me faltava mais nada. Era eu o número 1.

p.s1: como esse post rendeu! E renderia mais, mas não quis me perder em tantos detalhes e ser mais enfadonho que de costume.

p.s2: as vezes me pego pesquisando balizas e times de botão no mercado livre. Balizas com redinhas de verdade são o máximo.

p.s3: o garoto número 1, antes de mim, chama-se marcos. Eu emprestei o time que ele me derrotou no torneio de clubes e, ironicamente, ele foi quem me deu os selinhos da seleção dinamarquesa com a qual o derrotei.
                                                                       
p.s4: a interrupção com os botões foi por conta da mudança de bairro. Até tentei continuar e, até continuei com novos parceiros, mas a sequencia foi ficando cada vez mais esparsa e não há habilidade que resista a falta de treino. La, colecionei títulos e campanhas pífias.

p.s5: acho bem provável voltar a jogar se um dia tiver oportunidade.

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