enquanto alguns preferem a tese da desqualificação da "desorganização" das ruas, classificando-o como um capricho da classe média, o autor do texto propõe uma autocritica de um modelo de organização esgotado e que apenas será capaz de dar respostas atualizando a sua agenda.
boa leitura a todos.
Wanderson Pimenta*
Tivemos a oportunidade de acompanhar as maiores mobilizações
dos últimos vinte anos. Desta vez, não estava em jogo os destinos
institucionais da República, como no “Fora Collor” ou nas “Diretas Já”. Foram
atropelados todos aqueles que imaginavam com certo de ar superioridade que
havíamos atingido um status de bem estar social incompatível com grandes
insatisfações. Enfim, se éramos um “País de classe média”, se estávamos todos
absorvidos por um pacto de conciliação entre as classes e se o governo de composição
conseguia minimamente apresentar respostas a problemas seculares, como a
redução da miséria, a partir do incremento das políticas de inclusão, qualquer
previsão sobre algum tipo de convulsão social seria considerada loucura pelos
céticos de plantão. Acontece que, nem sempre, as cartomantes a serviço da
institucionalidade estão conectadas com o dia-a-dia das ruas. De tão
acostumados ao ar condicionado das repartições, não conseguem mais se misturar
aos novos ares das manifestações sem se
resfriarem.
Assim, seria difícil imaginar que essa esquerda dispusesse
de alguma condição para interpretar ou apresentar respostas às grandes
mobilizações de junho. Atônitos, vendo pela televisão ou pela internet centenas
de milhares de pessoas nas ruas de diversas cidades, não conseguiam acreditar
no que viam. Os fatos que já desmentiam o triunfalismo medíocre há alguns anos,
desta vez, sepultaram a tese do bem estar perpétuo propagada pelos tribunos da
esquerda adepta “das leis e da ordem”. Entendemos com pesar, sob pena de do
cometimento de equívocos, mas com a sobriedade da análise do momento, que a
geração que fundou o Partido dos Trabalhadores, dirigiu o mesmo durante as
grandes manifestações dos anos 80, criou a CUT, elegeu e reelegeu Lula, levou
Dilma à presidência e, ainda mantém o PT sob férreo controle, foi completamente
superada. Incapazes de abandonar as suas posições que, reconhecemos, foram
duramente conquistadas, estão tão amarradas a elas que já não se diferenciam. Entrincheirados, já não se dispõem a qualquer
tipo de revisão, retificação ou autocrítica. Como aqueles que se afogam, estão
dispostos a arrastar com eles não apenas o salva-vidas, mas também o bote. De
tanto nadarem a favor da correnteza, não conseguem visualizar o abismo adiante.
De timoneiros, passaram a proprietários
do navio.
Lições de junho
As manifestações de junho não estavam conectadas a nenhum
sentimento que pudesse ser facilmente canalizado para a via institucional. Se a
luta de massas pela “anistia ampla, geral e irrestrita”, as “Diretas Já” e o
“Fora Collor”, que levantaram milhões, passaram, necessariamente, pela via
institucional, ou seja, pela luta parlamentar, junho mostrou que esta pouco
importava. Não se trata, obviamente, de negar a combinação das duas vias.
Contudo, a luta institucional, deixando de ser travada de modo tático e se
transformando em um fim em si mesma, não mais serve.
A maioria dos parlamentares petistas estão adestrados pela
via institucional. Realizam plenárias para legitimar decisões tomadas a priori,
tem atuação parlamentar completamente dissociada de anseios coletivos e se
atrelam docilmente aos interesses do governo. Suas campanhas são financiadas
pelos mesmos agentes que sempre financiaram a “democracia” brasileira. Em se
tratando de financiamento, os resultados são ansiosamente esperados pelo agente
financiador. Sob esta lógica, a maioria dos parlamentares petistas, outrora
vanguarda da luta institucional contra esta mesma institucionalidade, em defesa
de interesses coletivos, passaram a cordeiros a serviço do governo. O governo,
conforme dissemos, está subordinado aos interesses do capital financeiro, sob a
insígnia da “governabilidade”. A cúpula partidária fez a sua opção pela
gerência do Estado que, conforme dizia um velho barbudo, que paira como um fantasma
para assombrar aqueles que insistem em negar a realidade que salta aos olhos, é
“o comitê executivo da burguesia”.
Junho foi talvez o último dos alertas dados ao PT. Ou junho
serve para varrer da vida partidária tais práticas, deslegitimar mandatos e
mandatários como supostos condutores do partido, eliminar cúpulas que se
legitimam em si mesmas e concorrer para um reposicionamento das forças internas
do partido, ou estaremos assinando o nosso atestado de óbito. E que a
capacidade que o PT tem de se reerguer, do ponto de vista dos resultados
eleitorais, não seja confundida com revigoramento político.
O Partido de massas,
o amigo urso e a incapacidade da direção
O PT ainda é um partido organizado de modo artesanal.
Diretórios históricos não possuem sedes próprias. Poucos são os diretórios das
cidades médias que possuem uma mera sede alugada. Um curso de formação efetivo
não acontece há anos. A imprensa partidária não existe ou é incipiente. O
militante petista de base, principalmente nas cidades do interior, é tomado
pelo descrédito e pela desesperança e se torna presa fácil do pragmatismo de
determinados mandatários.
Uma concepção mais ampla de um partido de massas passa pela
ideia de que forças externas contribuem de forma decisiva para a vida interna
do partido. Ou seja, o partido de massas não é formado apenas pelos seus
filiados. Não são poucos os exemplos de militantes que contribuem decisivamente
com o PT mas que não são filiados. Outrossim, também não são poucos os exemplos
de influências externas ao PT que tentam destruir o seu caráter de partido de
esquerda. Esses atores possuem mais força do que qualquer filiado interno. É o
caso da oligarquia Sarney que exerce pressão decisiva para os rumos do PT no
Maranhão. Tudo isso com a chancela da cúpula. O processo de eleição direta
interno, longe de ser democrático, sacraliza ano a ano a direção majoritária. E
ainda existem aqueles que apresentam que, internamente, o voto de um Lula ou de
uma Dilma tem o mesmo peso de um filiado de base. Custa acreditar como a
fanfarronada não tem limites.
Nesse sentido, é necessário interpretar o sentimento das
ruas. Insistimos que a rua deu um recado ao PT que a direção majoritária não
quer, não pode e não sabe absorver. É um equívoco dizer que as ruas estavam
repletas de vândalos e de pessoas de classe média. Ora, sabemos que as
manifestações organizadas pelo PT nos anos 80 e 90 nem sempre foram “ordeiras e
pacíficas”. Até as pedras sabem que, normalmente, o violência é iniciada pelo
Estado na figura da polícia. E outra contradição: a propaganda dos pioneiros,
no partido e no governo, há pouco tempo atrás, vangloriava a máxima de que o
“Brasil era um país de classe média”. Portanto, os pioneiros insistem na surdez
e, por consequência, na tentativa de desqualificação. E quem não tem a
capacidade de ouvir, tem pouca possibilidade de se manifestar.
Alguns apontamentos
A militância do PT está na encruzilhada. Levantar uma
bandeira do PT numa manifestação é correr o risco de ter violada a sua
integridade física. Somos considerados traidores, acusados de enterrar os
sonhos de gerações. Os nossos militantes, sobretudo os jovens, que estão na
dianteira em muitas das mobilizações são ridicularizados, desmoralizados e
atacados. Enquanto a direção majoritária colheu os frutos de um passado
glorioso, foram elevados a arautos da esquerda, ocuparam postos de governo e,
enfim, se transformaram em gerentes estatais, a esquerda e a juventude do PT
sentem o gosto amargo da repulsa das ruas. Mesmo assim, nada é pior do que
frequentar eventos partidários carregados de um triunfalismo barato, auto
proclamatórios e arrogantes. São os sinais quase que irreversíveis da
senilidade política.
Talvez, única possibilidade para o PT é o fortalecimento da
sua juventude, a sua autonomia política e seu consequente empoderamento. Eis o
único setor que, em aliança com os setores que jamais dormiram, como os sem
terra, sem teto, o povo da periferia, as minorias jovens e insatisfeitas nas
atuais direções sindicais, pode apontar novos rumos pela esquerda e em defesa
do socialismo. O único setor que pode transmitir à cúpula o sentimento das
ruas, já que também era parte ativa dele.
Todavia, sabemos que
os pioneiros se transformarão em barreiras. Mas esta batalha deve ser encarada
sob o espírito de que é o destino da classe trabalhadora e das juventudes que
está em jogo. É chegada a hora de testar a nossa disposição em ir à luta até as
últimas consequências!
*Wanderson Pimenta é
membro da Executiva Estadual da Juventude do Partido dos Trabalhadores - Bahia
Nenhum comentário:
Postar um comentário